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segunda-feira, 23 de agosto de 2010


Tema: Será que a igreja não passará pela grande tribulação?
Texto de análise: 1Ts. 4.13-18 e 2Ts. 2.1-12

Segundo o autor Dwight Pentencost, teólogo dispensacionalista, a teoria escatológica dispensacionalista ou pré-tribulacionista defende que a igreja será, “por ressurreição e por transferência, retirada da terra antes de começar qualquer parte da septuagésima semana de Daniel”. (p. 217, 2006).
A teoria dispensacionalista teve seu inicio através do sacerdote irlandês John Nelson Darby (1800-1882). Entre outros ensinamentos Darby argumentava que havia uma radical descontinuidade entre a igreja e Israel, defendendo dessa forma a existência de dois povos distintos pertencentes a Deus, o qual tinha planos diferentes para cada um desses povos. Dwight Pentencost argumenta que:
A igreja e Israel são dois grupos distintos para os quais Deus tem um plano divino. A igreja é um mistério não-revelado no Antigo Testamento. Essa era de mistério presente insere-se no plano de Deus para com Israel por causa da rejeição ao Messias na Sua primeira vinda. Esse plano de mistério deve ser completado antes que Deus possa retornar seu plano com Israel e completá-lo. (2006, 217).
Junto com essa crença de uma separação entre a igreja e Israel, os dispensacionalistas defendem que a igreja será arrebatada antes da septuagésima semana profetizada por Daniel (Dn. 9.24-27), período também conhecido como a “Grande Tribulação”.
Escrevendo sua segunda carta à igreja de Tessalônica, no capítulo 2.1-12, o apóstolo Paulo corrige alguns falsos entendimentos “no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele” (v. 1), que estava ocorrendo na igreja macedônica.
O erro que estava circulando naquela igreja era de estar “supondo tenha chegado o Dia do Senhor” (v. 2). O comentarista William Hendriksen, destacado escritor reformado, entende esse erro da seguinte forma:
Essas pessoas em estado de entusiasmo estavam convictas de que ‘o dia do Senhor’ (ou seja, o dia de seu retorno para juízo e dos sinais que imediatamente precederiam sua chegada) já estava presente. Uns poucos dias mais, semanas ou meses, no máximo, e Jesus pessoalmente faria sua aparição nas nuvens do céu. Seu ‘dia’ chegará. (p. 197, 2007).
Os irmãos tessalonicenses haviam compreendido mal o ensinamento de Paulo na sua primeira carta sobre a vinda de Cristo, confundindo a vinda súbita com uma vinda imediata. Com essa interpretação concorda o teólogo I. Howard Marshal, o qual acrescenta: “Deve ser notado que o problema dos leitores não era, portanto, a demora da parusia, mas, sim, sua crença de que estava esmagadoramente iminente.” (p. 220, 2007).
Então, o apóstolo, no verso três, escreve dizendo “Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição,”. Nesse verso, Paulo claramente está afirmando que “a vinda de Cristo e a nossa reunião com ele” será precedida de dois sinais: a apostasia e a revelação do homem da iniqüidade, o filho da perdição.
O primeiro sinal, apostasia significa “queda, caída, rebelião, revolta.” (LOPES, p. 176, 2008). O teólogo Antony Hoekema argumenta:
Conforme empregada em 2 Tessalonicenses 2.3, a palavra apostasia é precedida por um artigo definido: a apostasia ou a rebelião. Tanto o artigo como a declaração de que esse acontecimento tem de preceder a Parousia indicam que o que aqui é predito é uma apostasia final e culminante, imediatamente anterior ao tempo do fim. (p. 184, 2001).
Todavia, é sobre o segundo sinal, o aparecimento do homem da iniquidade (antropos tes avomias) que manteremos uma atenção especial.
Mas, quem será esse “homem da iniqüidade, o filho da perdição” que o apóstolo claramente afirma que deverá aparecer (apocalipse) no cenário histórico antes que Cristo volte para a igreja possa se reunir com ele?
Segundo William Hendriksen o “antropos tes anomias” é o anticristo escatológico descrito nas epistolas joaninas: “Há também, toda razão para crer-se que o homem da iniqüidade descrito por Paulo é a mesma pessoa mencionada por João como sendo o anticristo.” (p. 200, 2007).
Hendriksen ainda fornece algumas razões que o levam a tal afirmação. Primeiro ele diz que “’O homem da iniquidade’ será revelado imediatamente antes da vinda de Cristo. O anticristo, acerca de quem os leitores têm recebido informações prévias, virá ‘na última hora’ (2Ts. 2.8; 1Jo. 2.18)” (p. 201, 2007); Segundo motivo é “’O mistério da iniquidade’ já está em operação. Mesmo agora ‘há muitos anticristos’ (2Ts. 2.7; 1Jo. 2.18)” (p. 201, 2007). o autor dessa forma argumenta que assim como o apóstolo João, Paulo também identifica que vários anticristos já tem se levantado nos seus dias. O terceiro motivo é descrito com essas palavras: “A vinda de ‘o homem da iniquidade’ é segundo a eficácia de Satanás, com grandes sinais e milagres, todos eles falsos. Semelhantemente, o anticristo é denominado de mentiroso e enganador (2Ts. 2.9; 1Jo. 2.22; 2Jo. 7)” (p. 201, 2007).
O pastor e teólogo presbiteriano, Hernandes Dias Lopes, segue a mesma linha de raciocínio Hendriksen quando argumenta: “Na teologia do apóstolo Paulo, o anticristo é visto como o homem do pecado. (2Ts. 2.3)” (p. 179, 2008).
O teólogo dispensacionalista Stanley M. Horton também identifica o “antropos tes anomias” com o anticristo joanino, quando reveste o anticristo dos atributos do “antropos tes anomias”. Por exemplo, ele diz que o “anticristo ‘se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou se adora’ [...], e o anticristo ‘se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus’ (2Ts. 2.4). (p. 637, 2006). Stanley ainda continua dizendo que a vinda do anticristo será “segundo a eficácia de Satanás, como todo o poder, e sinais, e prodígios de mentira, e com todo engano da injustiça para os que perecem” (2Ts. 2.9,10).
Logo, mostra-se bastante evidente que “o homem da iniqüidade” na teologia paulina é a mesma pessoa do “anticristo” na teologia joanina. (cf. Daniel 7.19-27; Apocalipse 13.1-8).
Mas, em que momento da história o “anticristo” figurará?
De acordo com o teólogo Stanley M. Horton o “anticristo” exercerá seu ministério sombrio durante a chamada “grande tribulação”. Ele argumenta que o anticristo “conseguirá o controle econômico e se tornará ditador do mundo inteiro. [...]. E depois, no fim da grande tribulação, comandará os exércitos de muitas nações arregimentados por Satanás, em Armagedom.” (p. 637, 2006).
Outro autor dispensacionalista que afirma que o “anticristo” estará em ação durante a “grande tribulação” é o teólogo J. Dwight Pentecost quando descrevendo algumas características do período da “grande tribulação” afirma que “As Escrituras falam muito sobre o individuo que aparecerá no fim dos tempos [...].” (p. 349, 2006). Ainda segundo Pentecost, agora citando o teólogo dispensacionalista Artur W. Pink, esse indivíduo escatológico, que aparecerá durante a “grande tribulação”, nas Escrituras recebe o nome de “o homem da iniqüidade (2Ts. 2.3), o filho da perdição (2Ts. 2.3), o iníquo (2Ts. 2.8), o anticristo (1Jo. 2.22), [...]. (p. 350, 2006), entre outros.
Todavia, se como concluímos acima, o “antropos tes anomias” ou “o homem da iniqüidade” citado por Paulo é o perverso “anticristo” retratado nas epístolas joaninas, e se esse “antropos tes anomias” realizará seus planos perversos no período chamado de “grande tribulação”, logo, no entender desse autor, a teologia dispensacionalista perde muito da sua força e coerência pelas seguintes razões:
(i) Como citamos acima o erro que estava circulando na igreja de Tessalônica era que a vinda de Cristo seria imediata, ou seja, a qualquer instante, cerca de poucos dias ou meses, Jesus voltaria para reunir a sua igreja junto a Ele. Contudo, o apóstolo afirma no verso 3: “Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição,”. O que Paulo quer expressar é que a volta de Cristo e a nossa [da igreja] reunião com Ele se dará após a apostasia e a manifestação do homem da iniqüidade, juntamente com a tribulação que acompanhará sua manifestação. Como bem escreveu o teólogo Anthony Hoekema,
Portanto, qual seria o objetivo da advertência de Paulo se estes crentes fossem removidos da terra antes da tribulação? Uma vez que a igreja, em Tessalônica, era na sua maioria composta por crentes gentios, não se pode dizer que Paulo estivesse aqui descrevendo apenas para cristãos judeus. (p. 200, 2001).
Logo, a teologia pré-tribulacionista removeria da argumentação de Paulo a sua fundamentação, pois a igreja de Tessalônica, e de qualquer outro lugar, não precisaria esperar a manifestação do “homem da iniqüidade”, nem mesmo sua derrota pela vinda de Cristo (2Ts. 2.8) para se reunir com ele.
(ii) Em 2Ts. 2.1, o apóstolo afirma o tema da sua argumentação do capítulo, com as palavras “Irmãos, no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos,”. Primeiro vamos analisar o termo “vinda” (parousia) esse termo significa “visita”, “presença”, “vinda” ou “retorno”. De acordo com Hernandes Dias Lopes (p. 104, 2008), citando Wiliam Barclay, diz que o termo parousia descreve a vinda de um rei, de um imperador, de um governador, depois essa palavra começou a significar a visita de um deus. Esse termo é o mesmo utilizado por Paulo em 1Ts. 4.15 “Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda (parousia) do Senhor, não precederemos os que dormem”. Isso serve para mostrar que o evento descrito em 1Ts. 4.13-18, texto muito usado pelos dispensacionalistas para ensinar um arrebatamento pré-tribulancionista, é o mesmo evento de 2Ts. 2.1; nos dois textos Paulo ensina sobre a vinda do Senhor. Diante do exposto acima, chegamos a conclusão de que a parousia de 1Ts. 4.13-18 é a mesma parousia de 2Ts. 2.1, logo a parousia se dará após a “grande tribulação”e não antes dela. Um outro termo importante a ser analisado é “nossa reunião com ele” (episynagoge). Segundo Anthony Hoekema episynagoge “é a forma substantivada do verbo utilizado para o arrebatamento em Materus 24.31: ‘os quais reunirão (episynago) os seus escolhidos ... de uma a outra extremidade dos céus’.” (p. 200, 2001). Além do mais, em 1Ts. 4.17 está escrito: “Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor”. Paulo está dizendo que a igreja, na vinda de Cristo, será arrebatada para estar (esometa) para sempre com o Senhor; mas Paulo em 2Ts. 2.1,3 diz que a nossa reunião ou estar (esometa) com o Senhor, só se dará depois da aparição do “homem da iniquidade”, logo a passagem de 1Ts. 4.13-18 que ensina sobre o arrebatamento ensina que esse evento acontecerá após o aparecimento do “anticristo” e sua derrota pela vinda de Cristo.
Diante dos argumentos apresentados, a opinião do autor do presente estudo é de que, no mínimo, os textos de 1Ts. 4.13-18 e 2Ts. 2.1-12 não fundamentam a teologia pré-tribulacionista. Todavia, sempre que tratamos da área teológica da esatologia (o estudo das últimas coisas) devemos ter em mente que esse assunto não é matéria de ortodoxia, ou seja, um cristão não deixa de ser mais piedoso ou menos piedoso se divergirem nesse assunto. Logo o nosso objeto é promover a reflexão teologica sobre esse assunto tão discutido nos centros academicos, mas tão pouco explorado nas nossas igrejas.
Que Deus em Cristo abeçoe a todos.
REFERÊNCIAS
HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o Futuro. Cultura Cristã.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: 1 e 2 Tessalonicenses, Colossenses e Filemon. Cultura Cristã.
LOPES, Hernandes Dias Lopes. 1 e 2 Tessalonicenses: Como se preparar para a segunda vinda de Cristo. Hagnos.
PENTECOST, J. Dwight. Manual de Escatologia: Uma análise detalhada dos eventos futuros. Vida.
HORTON, Stanley M. Teologia Sistemática: Uma perspectiva pentecostal. CPAD.
MARSHALL, I. Howard. 1 e 2 Tessalonicenses: Introdução e Comentário. Vida Nova.